Declaração da IBFAN
Medela, empresas de bombas extratoras e fundações
IBFAN | 28 SETEMBRO 2025
A fabricante de bombas extratoras de leite materno Medela tem contatado organizações de apoio à amamentação em todo o mundo afirmando que deixou de produzir e vender chupetas desde novembro de 2024 e que descontinuou a venda de mamadeiras e bicos em julho de 2025.
A Medela alega que agora “obedece ao Código” (“Code compliant”) e claramente espera ser aceita como uma patrocinadora e parceira inofensiva.
Embora a IBFAN reconheça essa mudança de política, alertamos todos os nossos parceiros a terem cautela antes de considerar qualquer relação com a Medela e suas fundações.
A seguir, apresentamos algumas das preocupações da IBFAN em relação à Medela, às fundações utilizadas para promover seus interesses e a outras empresas de bombas extratoras.
1. A Medela é uma corporação com fins lucrativos sediada na Suíça que promove seus produtos de forma agressiva.
A Medela foi fundada em 1961 por Olle Larsson e hoje é dirigida por seu filho, Michael Larsson.
A Fundação Familiar Larsson-Rosenquist (Family Larsson-Rosenquist Foundation – FLRF) foi criada em 2013.
A Medela Holding AG é a empresa controladora do Grupo Medela, que atua nas áreas de “Amamentação” e “Saúde”, com 18 subsidiárias e mais de 1.500 funcionários em todo o mundo.
2. A Medela “obedece ao Código”?
Não, por várias razões.
Primeiro, o termo “Code compliant” (“obedece ao Código”) é sem significado real e autoatribuído, algo que nenhum fabricante comercial de produtos para alimentação infantil pode ou deve reivindicar.
Na ausência de monitoramento independente constante em todo o mundo, é impossível garantir que uma propaganda, representante de vendas, médico patrocinado ou influenciador digital não esteja persuadindo alguma mãe de que um produto resolverá seus problemas de amamentação.
Nem a OMS nem o UNICEF desenvolveram mecanismos para credenciar empresas como “compatíveis com o Código” ou obediente a este. Todas as ferramentas disponíveis são voltadas para monitorar violações, não para certificar conformidade.
Em segundo lugar, embora o Código Internacional não se aplique especificamente às bombas de extração, a promoção de qualquer produto para alimentação de bebês — especialmente aquele que altera fundamentalmente a relação de amamentação — pode minar o aleitamento materno e contrariar o Artigo 1 do Código, que estabelece como objetivo principal proteger a amamentação.
Por fim, a Medela ainda produz produtos que se enquadram no escopo do Código.
As mamadeiras da marca foram renomeadas como “recipientes para leite materno”, mas tornam-se mamadeiras assim que se adicionam um bico e um anel.
A Medela também continua a produzir e vender “alimentadores para necessidades especiais”, um tipo de mamadeira que, em alguns países, é abrangida por legislações nacionais baseadas no Código.
3. Qual é o problema com o marketing de bombas extratoras?
A IBFAN reconhece que muitas pessoas acham as bombas extratoras úteis, especialmente quando o período de licença-maternidade é curto.
As bombas também podem ter funções terapêuticas, como auxiliar mães de bebês prematuros que necessitam de cuidados neonatais e estão separadas delas.
A preocupação da IBFAN é que a promoção comercial das bombas pode prejudicar a relação normal de amamentação (amamentação direta) e a prática da extração manual.
Para gerar o lucro esperado por proprietários e acionistas, as empresas promovem amplamente seus produtos ao setor de saúde, ao público em geral e a mães e pais que podem não perceber que necessitam de apoio presencial e individualizado para usá-los corretamente.
Usadas de forma incorreta, as bombas podem danificar o tecido mamário e causar ingurgitamento e mastite.
Registra-se que eventos adversos relacionados ao uso de bombas são subnotificados à FDA (Agência de Alimentos e Medicamentos dos EUA).
A dependência de financiamento de fabricantes de bombas para congressos e capacitações cria conflitos de interesse, prejudica culturas tradicionais de amamentação e o domínio da extração manual.
Isso pode levar a maiores taxas de uso de mamadeiras, redução do aleitamento materno, aumento de riscos à saúde em países do Sul Global e ônus financeiro desnecessário para famílias e comunidades de baixa renda.
4. Alimentar com leite materno não é o mesmo que amamentar.
“O contato pele a pele apoia mecanismos de maturação, incluindo
controle de temperatura, metabolismo e adaptação diurna.
O leite materno extraído e oferecido em mamadeira é superior à fórmula,
mas a amamentação direta está associada a menores taxas de asma,
maior presença de bifidobactérias benéficas e melhor autorregulação
de ingestão de calorias pelo bebê, protegendo contra a obesidade.”
(The Lancet Breastfeeding Series, 2023)
A promoção indiscriminada de bombas normaliza seu uso e, nos Estados Unidos, o termo “amamentação” vem sendo redefinido como “alimentação com leite materno”.
Há diferenças fundamentais entre o leite oferecido diretamente no peito e o leite extraído:
- O aleitamento materno é um alimento humano específico da espécie, ajustado às necessidades individuais da criança.
- Pesquisas mostram que, ao sugar no peito, a saliva do bebê interage com o leite materno e com o sistema imunológico da mãe, enviando sinais ao cérebro materno sobre o que a criança precisa para sobreviver e se desenvolver.
- Essa interação fisiológica única assegura a produção de anticorpos e nutrientes específicos, fundamentais para o crescimento e proteção contra doenças.
- O leite materno adapta-se à idade, ao sexo e até ao horário do dia, mudando de composição conforme o bebê se desenvolve.
- A amamentação funciona como método contraceptivo natural conhecido como LAM (Método da Amenorreia Lactacional). A supressão hormonal da ovulação só foi estudada em amamentação direta e exclusiva, sem longos intervalos entre mamadas. Segundo a OMS, o risco de gravidez com o uso correto do método é inferior a 1% nos primeiros seis meses.
5. Quais são os riscos de parcerias com empresas de bombas e suas fundações?
- A Medela e outros fabricantes de produtos para alimentação infantil compreendem o “poder da associação”.
Por meio de fundações como a FLRF, buscam alianças estratégicas com profissionais e organizações — inclusive IBFAN, pesquisadores, instituições e grupos de apoio à amamentação — afirmando que tais parcerias melhoram as taxas de aleitamento materno.
Contudo, raramente admitem que seu verdadeiro objetivo é ampliar o número de consumidores potenciais — a essência de qualquer negócio com fins lucrativos. - Parcerias público-privadas (PPP) tendem a gerar “governança compartilhada”, permitindo que entidades lucrativas sem responsabilidade democrática tenham assento em mesas de formulação de políticas de saúde, influenciando decisões em benefício próprio.
- O financiamento e patrocínio de pesquisas, associações profissionais e materiais de treinamento por empresas são formas de marketing.
Para a IBFAN, parcerias com a Medela, outras empresas de bombas ou suas fundações constituem conflito de interesse inaceitável.
6. Bombas são problemáticas para limpar e usar em contextos de emergência.
A doação e distribuição não controlada de bombas e equipamentos relacionados são proibidas pela Guia de Operações sobre Alimentação de Lactentes em Emergências (OG-IFE) v3.0, de 2017.
7. O impacto ambiental.
Dispositivos e produtos para alimentação infantil — e suas embalagens — possuem riscos inerentes.
Plásticos e substâncias desreguladoras endócrinas aumentam a carga química em bebês e crianças pequenas, afetando negativamente seus sistemas imunológico, reprodutivo e endócrino.
Como qualquer produto industrial, a fabricação de bombas gera pegada de carbono e contribui para as mudanças climáticas.
Esses impactos — e a produção de resíduos químicos e plásticos — aumentam quando bombas, mamadeiras e bicos são promovidos sem necessidade real.
8. Conclusão
A IBFAN reconhece as dificuldades financeiras enfrentadas por nossos parceiros nacionais e globais, que tanto fazem para proteger e apoiar mães que amamentam.
Esta nota foi preparada em resposta a diversos pedidos de esclarecimento sobre a posição da IBFAN.
De acordo com nossa política de financiamento, a IBFAN não solicita nem aceita recursos, doações, presentes ou patrocínios de fabricantes ou distribuidores (ou de seus fundos e fundações) de produtos voltados à alimentação de lactentes e crianças pequenas.
Os grupos IBFAN também são incentivados a não aceitar financiamento de outras empresas com fins lucrativos em detrimento dos direitos humanos.
A questão da participação em eventos e conferências é complexa e está explicada em nossa Orientação de 2006 sobre a participação de grupos IBFAN em eventos patrocinados total ou parcialmente por empresas com interesses comerciais no setor de alimentação infantil.
A Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN) é uma coalizão global de mais de 300 organizações da sociedade civil que atua na proteção da saúde materna, infantil e de crianças pequenas contra a desinformação comercial.
A alta mortalidade de bebês alimentados com mamadeira nos anos 1970 levou a ações judiciais, boicotes de consumidores e audiências no Senado dos EUA sobre as práticas de marketing da indústria de alimentos infantis.
Uma reunião conjunta da OMS e do UNICEF, em 1979, recomendou a criação de um código internacional para regular o marketing de produtos de alimentação infantil.
Desde então, a IBFAN trabalha para ajudar governos a incorporar o Código em suas legislações, protegendo, apoiando e promovendo a amamentação e a alimentação complementar adequada.
Clique na imagem para baixar o documento completo em PDF (original em inglês):
“Declaração da IBFAN – Medela, empresas de bombas extratoras e fundações”
IBFAN – Desde 1979 protegendo a amamentação!